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terça-feira, 19 de abril de 2011

O MENINO E SUA CALÇA JEANS


Pedro Macuco

O menino tinha um corpo bem magro, quase esquelético. Ele sonhava ter uma calça jeans da mesma que usavam os galãs das novelas da Globo. Ele nunca sonhou ser um galã. Se conformava em ter uma calça jeans e "paquerar" (como se dizia naquela época) as meninas da sua rua. Ter uma calça jeans, lá pelos anos 80, era um
sinal de que o cara estava na moda e atualizado. O menino, quase esquelético, conhecia duas ou três ruas da pequena cidade e isso já era suficiente. O seu mundo era aquele e bastava. Pra que mais se a vida é tão rápida e as pequenas coisas são suficientes para a felicidade? Ele ouvia histórias de homens afortunados que viviam infelizes pelos botecos da cidade, afogando as mágoas e as dores de amor. Isso era lá felicidade? Pra ele uma calça jeans, azul e desbotada, era o que precisava para a festa de fim de ano na escola. Na sua cabeça de menino sem maldades e sem malícia, a vida girava como um pião, rodopiando na palma da mão e enchendo de imaginação a sua cuca quase infantil. Vida tranquila, de nenhuma saudade e de sonhos a mil. Um deles era ganhar de presente, no Natal, uma calça jeans.
Naquele Natal as coisas em casa não andavam nada boas. A família do menino não vivia um bom momento financeiro, teria um Natal simples, sem a tradicional ceia e os presentes. Era um menino mas já não tinha idade para colocar o sapato na janela e esperar Papai Noel. O amigo que lê essas linhas pode perguntar: e é Natal para você falar de ceia e Papai Noel? Seria esse um conto de Natal? Nada disso. É para falar mesmo da calça jeans. A tão sonhada calça jeans estava cada vez mais distante. Teria que esperar o próximo Natal ou esquecer de vez esse sonho. Para muitos um sonho bobo e realizável facilmente. Para ele, não. Num tempo de vacas magras e de necessidade de ter comida na mesa, a calça jeans era produtos superflúo. Naquela época os shorts feitos de sobra de roupas eram comuns e, naquele Natal, foi o que ele teve. Passada a decepção inicial veio a alegria das luzes coloridas nas ruas. Coisa que só o coração infantil poderia alcançar e esquecer as decepções.
Com o passar dos meses o sonho da calça jeans não morreu. A calça simbolizava liberdade, juventude, afirmação. Seria mesmo? Ele não sabia nada disso naquele período. Como saber se na sua cabeça havia espaço apenas para estudar, nadar nos rios, lêr gibis e correr como um louco nas esquinas da cidade. Naquele ano, depois de tanto sonhar, finalmente ganhou a calça jeans. Não era um jeans saído da loja, cheirando a produto novo. Mas era uma calça jeans. Naquela família os mais novos "herdavam" as roupas dos mais velhos. E, finalmente, ele herdou, uma calça do irmão mais velho. Foi uma festa e tanto. Anos depois o menino, que se tornara homem, escreveu alguma coisa mais ou menos assim "... Saio de casa apressado, visto uma calça jeans amassada e me deparo com você na esquina. Tomara que o azul da sua calça encha de esperança a minha vida.". O menino de outrora não sonhava ser Tarcísio Meira nem Francisco Cuoco. Queria apenas a liberdade de vestir uma calça jeans naquelas manhãs de sol que não voltam mais.

Vitória da Conquista, 19 de abril de 2011.

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